Há 9 anos atrás, encetando a vintena da vida, votei no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Para mim, o direito ao voto sempre assumiu o sentido de dever de participação e de responsabilidade cívica. Além de que, reportando-me à história político-social portuguesa, este direito, para as mulheres, representa um marco nas lutas feministas contra a discriminação entre sexos, contra a inferioridade da mulher.
Mas, encerrando o parêntesis histórico, e regressando à reflexão sobre o aborto, ou assepticamente denominado “interrupção voluntária da gravidez”, devo dizer que este era um tema de conversa frequente nas animadas tardes passadas no “bar do Geninho”, a par de tantas outras discussões tão efusivas quanto construtoras de uma consciência social, sobre a pena de morte, a eutanásia, a despenalização da utilização de drogas, a adopção…sobre a(s) vida(s)!
Na época, estudante de Serviço Social, activa e muito revolucionária no que respeita aos direitos humanos, esta era uma questão que me suscitava particular interesse, apelava à minha condição de mulher, de cidadã, de activista pelos direitos humanos e enquadrava-se no compromisso há muito assumido em prol da justiça social. Hoje, exercendo uma profissão desde a sua génese comprometida com os direitos humanos e de matrimónio indissolúvel com a justiça social, ainda que menos revolucionária(!), o destaque que o tema reclama é o mesmo, infelizmente!
O aborto clandestino continua a existir! Para umas tantas mulheres, realizado em sofisticadas clínicas, maioritariamente sediadas em terras espanholas. As “outras”, a quem quotidianamente escuto as vidas, demasiadas vezes, espartilhadas, fazem-no clandestinamente num “vão de escadas”, por habilidosos sem escrúpulos e, empenham-se aos vizinhos e familiares mais afortunados para o poderem pagar. Não raras vezes ficam com sequelas para a vida - infertilidade e morbilidade- quando esta não lhes é ceifada.
Deste modo, entendo que votar sim neste referendo não é um não à vida, é sim um grito contra o aborto clandestino enquanto problema de saúde pública, contra as perseguições, os julgamentos, a hipocrisia e o fundamentalismo.
O sim encerra em si a responsabilidade pública da defesa e promoção de um investimento efectivo:
- na educação sexual nas escolas (a começar pelos Jardins de Infância), diria mesmo, na educação no seu sentido mais lato;
- no Sistema Nacional de Saúde, facultando a acessibilidade a consultas de saúde sexual e reprodutiva, em tempo útil e de qualidade, e mantendo a gratuidade na disponibilização de métodos contraceptivos;
- na não discriminação entre as mulheres, independentemente do meio sócio-económico do qual provêem;
- na igualdade de oportunidades entre géneros;
- numa política social de apoio às famílias.
A questão do aborto ultrapassa qualquer ideologia política e qualquer crença religiosa, é uma questão de humanidade, de cidadania e de democracia.
Em 1998 disse sim à dignidade e à justiça, recusando todo o fundamentalismo expresso nas campanhas (des)informativas, volvidos 9 anos, reiterarei o sim a uma dignidade e justiça que têm vindo a ser adiadas neste país!
Caucau