07 fevereiro 2007

(Um) Caminho...


"Sem saber se o tempo existia, se aquele desfilar durara um segundo ou cem anos, se existia um Siddartha ou um Gautama, um Eu e outros, profundamente ferido por uma seta divina que lhe causava prazer, profundamente fascinado e exaltado, Govinda permaneceu ainda um momento inclinado sobre o rosto pacífico de Siddartha, que acabara de beijar, o rosto que fora o palco de todas as formas presentes e futuras. O seu semblante não se modificara, depois do espelho das mil formas se ter apagado da superfície. Sorria pacífica e ternamente, talvez muito graciosamente, talvez muito ironicamente, tal qual como o Sábio sorria. Govinda fez uma vénia profunda, enquanto lágrimas incontíveis lhe deslizavam pelo rosto velho. Avassalava-o um sentimento de grande amor, da mais humilde veneração. Inclinou-se muito, até ao chão, defronte do homem imóvel, cujo sorriso lhe recordava tudo quanto jamais amara, tudo quanto jamais fora valioso e santo na sua vida."

in Siddartha, Hermann Hesse